Por uma política nacional de incentivo ao associativismo e ao cooperativismo

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) surge do movimento trabalhista na década de 1930, vindo da astúcia de um certo gaúcho. A jogada política de Getúlio Vargas foi genial. 

Se por um lado ele fez com que o Estado assumisse uma posição de forma que o movimento comunista não pudesse se contrapor a ele, e que seduzisse a classe trabalhadora a ponto de fazer com que ela valorizasse menos ou não precisasse da luta social comunista, por outro lado, as classes proprietárias ficaram satisfeitas ao dispor de uma regulamentação trabalhista que fosse adequada à sua necessidade de expansão naquele momento. 

Tão astuto era o velho Vargas que ele fez com que o sindicalismo passasse para o controle integral do Estado, enquanto isso os trabalhadores se colocavam numa confortável (falsa) sensação de que o sindicalismo funcionava a todo vapor em favor deles.


De lá para cá muita coisa mudou...ou nem tanto.

Tenho escutado muitas queixas das pessoas que encontro, que me relatam sobre a "triste CLT" que tem sido insuportável para muitos(as) trabalhadores (as). 

Existe algo que passou despercebido para o campo da esquerda, é o fato de que as mudanças tecnológicas (inovações) tem acarretado transformações profundas na sociedade, dentre elas estão as mudanças no mundo do trabalho.

O governo, e os parlamentares que o apoiam, tentaram, sem apoio integral do precariado, mas com o apoio de parte dos sindicatos (ligados ao governo), a criar uma lei que pudesse dar conta das condições em que vivem os trabalhadores de aplicativos. Ver: https://www.conjur.com.br/2024-mar-07/a-nova-lei-do-trabalho-por-aplicativos-avancos-ou-retrocessos/ 

Foi um fiasco, pois uma parte considerável dos trabalhadores ficaram insatisfeitos com o PL, o que não contribuiu nem um pouco para a popularidade do governo Lula.

Ver: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/03/26/motoristas-de-aplicativo-fazem-manifestacao-contra-a-regulamentacao-da-profissao.ghtml

Ver: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2024/04/02/motoristas-de-aplicativo-protestam-em-sp-contra-projeto-que-propoe-regulamentacao-da-profissao.ghtml

 No governo Temer (2016) é certo que foi aprovada a (de)forma trabalhista responsável pela destruição metade de toda a CLT. Isso não foi por acaso. Não que isso tenha sido algo bom, ao contrário sinalizou que maus tempos viriam. E também sinalizou uma necessidade clara de pensar criticamente a lógica do emprego e salário.

A via do emprego e salário caducou. Tanto é verdade que uma boa parte dos(as) trabalhadores(as) não desejam nem sequer resquícios da CLT, e as forças de esquerda deveriam perceber isso. Ao que parece o governo federal ainda não percebeu. 

A realidade do capitalismo atual é do que podemos chamar de jobless and jobloss growth economy.

Uma tradução direta é "economia de crescimento sem emprego e com perda de emprego"

Em outras palavras pode ser dizer que, atualmente, a economia capitalista quando cresce, pode ocorrer de duas formas possíveis. 

A primeira é o crescimento econômico sem geração de emprego e a segunda é o crescimento econômico que gera empregos de baixa qualidade ou com baixos salários (menos de 2 salários mínimos) ou reduz o número de vagas, principalmente isso ocorre devido à introdução das inovações tecnológicas. 

De maneira equivocada o governo oferece como saída o empreendedorismo, que é algo muito controverso em termos de seus efeitos positivos, os quais poderão jamais ser alcançados na lógica excludente de uma economia capitalista.

A nova estratégia que poderia estar em implementação, e mais adequada à realidade do capitalismo atual, e até arriscaria dizer que poderia ser implementada com grande êxito pelo governo federal, é o que nós estamos denominando de "nova lógica do trabalho e renda", pela via da Economia Solidária e Reindustrialização Solidária (Dagnino, 2022).

Contudo, essa estratégia necessita de um novo e amplo marco legal. 

Existe um PL da ES em discussão, que é bom, mas seria preciso muito mais no que nele consta: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacaoidProposicao=559138&fichaAmigavel=nao 

Precisamos de um marco legal que facilite a vida das pessoas que desejam operar em negócios coletivos, associações e outros tipos de organizações autogestionárias com base em princípios do comum (ou propriedade coletiva dos meios de produção). 

Ela também pode ser denominada de Sistema Orgânico do Trabalho (SOT), cujo projeto já está pronto para rodar, mas aguarda por investimentos. O comum, aplicado no intercâmbio socioprodutivo, ganha também a denominação de Sistema Orgânico do Trabalho. A estratégia foi desenvolvida pela equipe do professor Édi Benini do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Economia Solidária (NESOL) da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Ver: https://youtu.be/0iF_m84Xc0I

Sendo assim...

A CLT não deve ser reformada, nem recuperada e muito menos mantida, sob nenhuma forma.

É possível que a próxima reforma trabalhista (do próximo governo reacionário) elabore uma "deforma" bem maior que já tivemos no governo Temer. Isso é tão certo quanto 2 + 2 = 4. 

Principalmente quando temos um contingente enorme de trabalhadores de plataformas digitais que conhecem muito bem o quanto é selvagem o modo como eles precisam ganhar o pão, somando ao fato de que grande parte aderem ao bolsonarismo.  

Esse novo marco legal do trabalho e renda deverá contemplar situações diversas, incluindo aqueles que desejam formas híbridas de trabalho, com mais liberdade de exercer funções e atividades diferentes, garantindo direitos diferentes daqueles da CLT, com maior amplitude e qualidade. 

Ele deverá reforçar direitos para uma lógica de trabalho e renda e não para a velha lógica do emprego e salário. 

Um dos pontos fortes desse novo marco legal é o fato de que fábricas falidas devam ter sua propriedade coletivizada entre os(as) seus(as) trabalhadores(as). 

E novas formas de organização do trabalho precisam ser incentivadas, como é o caso de Araraquara SP.

Ver: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2022/02/01/araraquara-sp-bibi-mob-aplicativo-transporte.htm

No sistema autogestionário, todos os(as) trabalhadores(as) são donos, não existe patrão. Consequentemente, os direitos são definidos de forma democrática em assembleias, assim o novo marco legal deve ampliar a liberdade dos empreendimentos de economia solidária. 

Conforme Marx salientou, o emprego é a falsa sensação de segurança do trabalhador que ganha pouco e sabe que pode ser demitido para uma situação com menos direitos que antes, e o salário nada mais é do que uma forma de escamotear a mais valia, ou seja, de ocultar a (super) exploração do trabalho vivo.

O mais importante desse novo marco legal é garantir direitos sob novas formas de trabalho, principalmente sob a forma de trabalho que é expressa na Economia Popular e Solidária, ou seja, criando incentivos através de mecanismos legais com vistas a fomentar uma verdadeira política nacional de em favor do associativismo e cooperativismo. 

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